Cotas raciais nas universidades: Como funciona a Lei de cotas raciais!

Professor Reynaldo Assunção

Assunto com muitas polêmicas, a Lei de cotas raciais dispõe sobre o sistema de cotas raciais em vestibulares para instituições federais de ensino.

Sabe como funciona a Lei de cotas raciais nas universidades? Sabe o que a Lei de cotas raciais prevê? Venha saber mais sobre esse direito!

O que a lei prevê:

 

A Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 (Lei de cotas raciais), determinou a reserva de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das vagas disponibilizadas pelas instituições federais de educação superior para os estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

O percentual leva em consideração as vagas disponibilizadas por curso e turno nas mais de 59 universidades federais.

A Lei de cotas raciais leva em consideração, ainda, a renda e o percentual de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, a Lei de cotas raciais estabelece cotas de teor social, econômico e racial.

Esses pontos estão previstos nos arts. 1º e 3º, conforme abaixo:

Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

[…]

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

 

Exemplo:

 

Vamos utilizar o exemplo disponível na página do Ministério da Educação para entender melhor como funciona a Lei de cotas raciais.

Considerando um curso com 100 vagas, no Estado de Minas Gerais que possui, segundo o IBGE, 53,66% da população preta, parda e indígena e 22,62% da população preta, parda e indígena com deficiência, teríamos que:

Fonte: MEC.

O primeiro aspecto que podemos notar é que a Lei de cotas raciais utiliza como critério inicial o estudante ser oriundo de escolas públicas, que cursaram o ensino médio na sua integralidade nestas instituições.

Assim, no exemplo, 50 vagas serão disponibilizadas para quem é oriundo de escola pública. Esse seria o primeiro “filtro social”.

Contudo, não para por aí. Após é realizada a divisão em duas categorias. A primeira é dos estudantes que possuem renda salarial superior a 1,5 salários mínimos per capita e a segunda daqueles que possuem renda inferior a 1,5 salários mínimos per capita.

Nesse momento, a Lei de cotas raciais faz uma separação pelo critério econômico de cada candidato.

Após, a Lei de cotas raciais determina a divisão destas vagas entre os auto declarados pretos, pardos e indígenas e os demais candidatos.

Nesse ponto, a Lei de cotas raciais faz uma divisão claramente racial, levando em consideração a proporção de autodeclarados negros em cada Estado.

Um ponto que devemos observar, mas não é o objeto deste artigo, é a separação de vagas para os candidatos com deficiência ou pessoa com deficiência (PCD).

 

Regulamentação

 

A Lei de cotas raciais foi regulamentada pelo Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012, e pela Portaria Normativa nº 18, de 11 de outubro de 2012.

A Portaria trouxe atos complementares necessários para a aplicação do Decreto como, por exemplo:

  • Escola pública: a instituição de ensino criada ou incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, nos termos do inciso I, do art. 19, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
  • Família: a unidade nuclear composta por uma ou mais pessoas, eventualmente ampliada por outras pessoas que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todas moradoras em um mesmo domicílio;
  • Morador: a pessoa que tem o domicílio como local habitual de residência e nele reside na data de inscrição do estudante no concurso seletivo da instituição federal de ensino;
  • Renda familiar bruta mensal: a soma dos rendimentos brutos auferidos por todas as pessoas da família, calculada na forma do disposto na Portaria;
  • Renda familiar bruta mensal per capita: a razão entre a renda familiar bruta mensal e o total de pessoas da família, calculada na forma do art. 7o da Portaria.

Além disso, a Portaria dispõe que somente poderão concorrer às vagas reservadas para egresso de escola pública, os estudantes que:

  • Tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou
  • Tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA ou de exames de certificação de competências ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino.

Caso o estudante tenha, em algum momento, cursado o nível médio em escolas particulares, não poderá concorrer às vagas reservadas.

A Portaria que regulamenta a Lei de cotas raciais autoriza, ainda, as instituições federais, mediante regulamentação interna, a exigir que o estudante comprove ter cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Já a renda familiar bruta mensal per capita será apurada da seguinte forma:

  • Calcula-se a soma dos rendimentos brutos auferidos por todas as pessoas da família a que pertence o estudante, levando-se em conta, no mínimo, os três meses anteriores à data de inscrição do estudante no concurso seletivo da instituição federal de ensino;
  • Calcula-se a média mensal dos rendimentos brutos apurados após a aplicação do disposto no item anterior;
  • Divide-se o valor apurado após a aplicação do disposto no item anterior pelo número de pessoas da família do estudante.

O Anexo II da Portaria apresenta o rol de documentos mínimos recomendados para comprovação da renda familiar bruta mensal.

Dessa forma, a Portaria trouxe muitos detalhes acerca da comprovação de renda e a regra dos egressos de escolas públicas, mas não trouxe qualquer informação acerca da avaliação dos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

É nesse ponto que começam os maiores debates em cima da Lei de cotas raciais e da sua regulamentação.

 

Como avaliar quem é pardo no Brasil sendo que temos uma população extremamente miscigenada?

 

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), dentre todas as opções para se avaliar se a pessoa tem direito a uma ação afirmativa, a que parece menos defensável é o exame do genótipo.

A Corte entende que o preconceito no Brasil parece resultar, essencialmente, da percepção social, muito mais do que da origem genética.

Já a autodeclaração, que tem sido adotada com maior frequência no país, apresenta algumas vantagens. Por exemplo, o fato de privilegiar a autopercepção a partir do fenótipo, ou seja, das características exteriores do organismo.

Ela encorajaria, ainda, os indivíduos a assumirem a sua raça, contribuindo para o reconhecimento dos negros na sociedade brasileira.

Contudo, segundo a Corte, há o risco de oportunismo, que poderia levar ao parcial desvirtuamento da política pública.

Assim, o STF complementa:

Para dar concretude a esse dispositivo, entendo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas, para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas raciais sejam efetivamente alcançados.

[…]

A grande dificuldade, porém, é a instituição de um método de definição dos beneficiários da política e de identificação dos casos de declaração falsa, especialmente levando em consideração o elevado grau de miscigenação da população brasileira.

[…]

Porém, quando houver dúvida razoável sobre o fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial.

Cabe salientar que o Estatuto da Igualdade Racial normatiza a autodeclaração como a ferramenta legítima para o acesso as políticas de ações afirmativas no âmbito federal.

Portaria Normativa nº 4 do MPDG

 

Visando suprir essa lacuna normativa na regulamentação da Lei de cotas raciais, algumas instituições federais de ensino estão se pautando na Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG).

A Portaria regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 (Lei de cotas raciais em concursos).

Ou seja, a norma foi elaborada para os concursos públicos federais. A Portaria possui alguns elementos importantes, entre eles:

  • A heteroidentificação se configura em procedimento complementar à autodeclaração dos candidatos;
  • A previsão e utilização de procedimento de heteroidentificação é adotada como compulsória no âmbito dos concursos para provimento de cargos públicos da administração pública federal, direta, autárquica e fundacional;
  • Garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre candidatos;
  • Atenção ao critério de diversidade na composição da comissão de heteroidentificação, garantindo-se distribuição de seus membros por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade;
  • Utilização do critério fenotípico;
  • Previsão de fase recursal;
  • Necessidade de decisão fundamentada (parecer motivado), a ser proferida pela comissão de heteroidentificação e órgão recursal.

Importante destacar o que a norma prevê e está sendo aplicado em diversos vestibulares pelo Brasil: o candidato será avaliado unicamente pelo critério do fenotípico.

Assim dispõe a Portaria Normativa

Art. 9º A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público.

Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.

Não serão considerados, para os fins do caput, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

Segundo Costa (2018), “candidatos que tenham tido o fenótipo negro em outros contextos da vida, mas que tenham recorrido a procedimentos estéticos ou cirúrgicos a fim de negligenciar suas características negroides, a ponto de não mais serem reconhecidos socialmente como negros, não fariam jus ao benefício das cotas”.

Assim, procedimentos estéticos para alisar o cabelo ou para clareamento da pele pode levar a comissão avaliadora a não mais reconhecer você como negro e indeferir seu pedido para fazer jus a Lei de cotas raciais.

Esse é o entendimento também do TRF-4 que decidiu que o candidato precisa parecer negro para entrar fazer jus a Lei de cotas raciais.

Segundo Santos (ONG Educafro), mesmo aquelas pessoas que possuem afrodescendência, mas que possuem a pela mais clara, não devem concorrer às vagas para a Lei de cotas raciais.

Segundo o ativista “pensando na política de cotas raciais, não devemos olhar apenas para o genótipo. O fenótipo é mais importante e a prioridade deve ser atender sempre os que têm a pele mais escura, que são os que mais sofrem preconceito”.

Mas quem seriam então os negros da pele parda? Segundo Dennis, professor da USP, “as pessoas pardas são aquelas que tem mãe negra e pai branco ou vice versa. Ou aquelas cujos ambos os pais são pardos”.

Segundo Patrícia Rufino, Coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Ufes os critérios fenotípicos que são avaliados “são algumas características que vão identificar a pessoa, até porque o racismo no Brasil é uma questão de estereótipo. É muito fácil você identificar ou entender quem é negro nesse país. Os traços físicos das pessoas pretas, pardas e indígenas são característicos”.

Segundo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal:

Dentro da análise fenotípica, o que leva em consideração é uma apa-rência do indivíduo que num processo de classificação ou de discrimi-nação, seria identificado como negro, devido aos traços negroides de boca, formato do rosto, tipo de cabelo , cor de pele.”

Assim, concluímos que não há em nenhum normativo e não são apresentados pelas comissões quais os critérios que são utilizados para avaliação.

Mas são fatores importantes que devem ser observados pelo candidato na hora da avaliação da comissão de heteroidentificação:

  • O autorreconhecimento como negro, seja de pele preta ou de pele parda. Isso deve ficar claro para a comissão, pois a pessoa que se enxerga como negra já viveu diversas experiências na vida que comprovam sua identidade como, por exemplo, o racismo;
  • A pessoa tem que parecer negro quando da avaliação pela comissão. Informações que a família é descendente de negros pode não ser levada em consideração;
  • A utilização de procedimentos estéticos como, por exemplo, alisar o cabelo ou para clareamento da pele, pode levar a comissão avaliadora a não mais reconhecer você como negro e indeferir seu pedido para a Lei de cotas raciais;
  • O fato de você já ter sido aprovado por outra comissão de heteroidentificação não garante que você será aprovada dessa vez;
  • De forma alguma deve ser utilizado artifício para tentar enganar a banca de heteroidentificação.

Por fim, caso você não seja considerado negro pela banca de heteroidentificação, saiba que você possui o direito de entrar com recurso.

A banca é formada por seres humanos, que podem se equivocar durante a avaliação.

Assim, se você se identifica e é visto pela sociedade como um negro, seja de pele preta ou pele parda, você deve entrar com recurso.

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Reynaldo Assunção

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