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“Influência da Internet na comunidade acadêmico-científica da área de saúde pública”, de autoria de Ângela Maria Belloni Cuenca e Ana
Cristina d’Andretta Tanaka, publicado na Revista de Saúde Pública, v. 39, no 5, p. 840-846, out. 2005 (retiraram-se as referências bibliográficas).
INTRODUÇÃO
A atualização sobre novos conhecimentos é condição obrigatória para a comunidade científica desenvolver pesquisas. Nesse sentido, as universidades têm sido as pioneiras, e as maiores beneficiárias no uso da tecnologia de redes eletrônicas, detendo 91,3% da produção científica do País (Meis et al, 2003). Com a internet, bibliografias, bases de dados e periódicos com seus textos completos tornaram-se mais acessíveis, permitindo à comunidade acadêmico-científica uma atualização nunca antes pensada em termos de rapidez e eficiência no acesso e na obtenção de informação.
O docente engajado em redes e atualizado com as novas tecnologias tem mais facilidade de comunicação com seus pares, podendo participar de grupos nacionais e internacionais de pesquisa em tempo real, além de ter a possibilidade de desenvolver trabalho corporativo (Cianconi, 2001). Os resultados de pesquisas também podem ser divulgados na internet, possibilitando que o conhecimento circule de forma mais ágil e gere novas pesquisas.
Nesse contexto, já se atribui aos artigos na internet a maior visibilidade da ciência, inclusive a brasileira. Em nota publicada na revista Nature, Alonso & Fernandez-Juridic (2002) avaliaram o impacto internacional de periódicos. Esses autores concluíram que os fatores de impacto de revistas brasileiras indexadas pelo ISI (Institute for Scientific Information) cresceram mais de 130% desde sua inclusão na SciELO (Scientific Eletronic Library Online/ Biblioteca Científica Eletrônica em Linha). Porém, os autores alertam que as universidades ainda carecem de investimentos para a criação e coordenação de redes eletrônicas de comunicação científica.
A literatura publicada sobre o uso da internet por comunidades acadêmico-científicas aparece desde a década de 80. Em um dos primeiros relatos, Schauder (1994) argumentava que as redes eletrônicas exerciam pouca influência na comunicação científica porque poucos docentes eram usuários de redes. No entanto, após alguns anos, o uso intensivo da internet vem sendo reportado como forte influência nas comunidades científicas, principalmente quanto ao correio eletrônico e a web (Applebee et al, 1997; Budd & Connaway, 1997; Jordaan & Jones, 1999; Jacobs, 1998; Lubanski & Matthew, 1998; Voorbij, 1999 ).
No Brasil, as primeiras pesquisas sobre o tema surgiram na década de 90, a maioria como produto de teses. Embora não tenham sido encontradas na literatura indexada, foram importantes para o mapeamento da evolução do uso da internet nas comunidades acadêmico científicas. Uma das primeiras foi a de Figueira Netto (1994), a qual confirmou que o maior benefício das redes eletrônicas é a comunicação entre os pesquisadores. Na mesma linha, Ferreira (1995) evidenciou as necessidades de informação de uma comunidade universitária do campo da física e concluiu que as redes trouxeram nova dimensão à comunicação científica, com a facilidade de comunicação entre os pesquisadores. A partir daí, os estudos brasileiros sobre a internet tornaram-se mais presentes na literatura, todos apontando o correio eletrônico como o recurso mais utilizado pelos pesquisadores, beneficiando a troca de informações entre os pares (Castellani 1997).
Na área de saúde pública, Iturri (1998) relatou os benefícios e as desconfianças do pesquisador da área de saúde pública quanto ao uso da internet. Comentando, entre outras considerações, a resistência desse pesquisador ao aprendizado das novas tecnologias, sua dificuldade em compartilhar recursos e informações, e sua percepção de que a tecnologia tende a desumanizar a sociedade. Em 2003, Andrade et al verificaram que a grande maioria já utilizava os recursos de informática disponíveis na instituição, em artigo sobre o uso das novas tecnologias de informação por pesquisadores dessa mesma área. Eles constataram o destaque para o maior uso do correio eletrônico e da consulta a bases de dados via web. No entanto, esses autores destacaram que aquela comunidade acadêmica necessitava da ajuda dos bibliotecários para o uso das tecnologias da informação, considerando o treinamento a forma mais eficaz para auxiliá-la nesse aspecto.
O objetivo do presente trabalho foi verificar a influência da internet nas atividades acadêmico-científicas da comunidade brasileira de docentes da área de saúde pública, bem como as barreiras e expectativas quanto ao uso dessa ferramenta.
MÉTODOS
A população de estudo foi composta pelos docentes dos Programas de Pós-Graduação da Área de Saúde Coletiva, cadastrados no Sistema DataCAPES em 2001. Eles pertenciam a instituições públicas brasileiras de ensino superior, que ofereciam ambos os níveis de formação, mestrado e doutorado. Com essa delimitação, pretendeu-se obter uma população homogênea atuante na formação de novos pesquisadores. Partiu-se da premissa de que esse docente está profissionalmente em plena atuação em sua carreira universitária e, provavelmente, com forte envolvimento no uso da internet em suas atividades acadêmico-científicas.
Foram identificados nove programas de pós-graduação, vinculados a sete universidades e a um órgão do governo da área de pesquisa em saúde, a saber: Universidade de São Paulo (USP), com a Faculdade de Saúde Pública (FSP) e a Faculdade de Medicina (FM); Universidade Federal da Bahia (UFBa), com o Instituto de Saúde Coletiva (ISC); Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com o Instituto de Medicina Social (IMS); Universidade de Campinas (Unicamp), com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Federal de Pelotas (UFPel); e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e o Instituto Fernandes Figueira (IFF).
Para a identificação dos nomes dos docentes foi utilizado o DataCAPES, 2001. A localização dos endereços eletrônicos e postais dos docentes identificados foi realizada a partir das seguintes fontes: Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (CNPq)6 em sua versão disponível em 2001 e consulta aos websites e às secretarias de pós-graduação das instituições envolvidas no estudo. A coleta de dados foi realizada por meio de questionário, desenvolvido em padrão HTML (HyperText Markup Language), para ser preenchido e devolvido via web, sem necessidade do docente abrir arquivo algum em seu computador.
O questionário foi estruturado em quatro módulos, a saber: 1) Características sociodemográficas e acadêmicas da comunidade estudada; 2) Uso da internet pelos docentes; 3) Uso da internet na pesquisa e no ensino; e 4) Barreiras e expectativas quanto ao uso da internet. Para o presente artigo, foram analisados o módulo 2; parte do módulo 3 e parte do módulo 4.
Para garantir a participação dos docentes não-usuários da internet e os que não puderam responder o questionário eletrônico, foram enviados questionários impressos por via postal.
A análise estatística foi feita descritivamente, por meio de proporções, médias e desvios-padrão. A comparação entre o grupo de docentes que utiliza a internet e o grupo que não a usa – em relação a idade atual do docente, sua experiência na pós-graduação, área de conhecimento, regime de trabalho e percentagem de tempo dedicado ao ensino e à pesquisa – foi feita utilizando o teste de associação pelo qui-quadrado. Os resultados dessa comparação, ou seja, a descrição dos fatores associados ao uso da internet pela comunidade de docentes brasileiros será apresentada em outra oportunidade.
O procedimento metodológico adotado foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 372 docentes selecionados, 237 (63,7%) responderam ao questionário, 149 no formato eletrônico (62,9%) e 88 no impresso (37,1%).
A internet já estava sendo utilizada por 94,9% dos docentes em 2002, sendo que mais da metade deles já a utilizava há mais de cinco anos (61,6%), com domínio de suas principais ferramentas (73,8%). Dentre os recursos da internet, o correio eletrônico foi o mais utilizado (96,9%), sendo que 87,3% o faziam diariamente. A web aparece em segundo lugar de uso (91,1%), com navegação diária apontada por 55,6% dos docentes. O resultado obtido em relação à preferência pelo uso do correio eletrônico e da web foi semelhante ao registro na literatura. Lally (2001), por exemplo, pondera que mesmo os pesquisadores da área de ciências sociais, que tendem a utilizar menos as novas tecnologias, já consideram esses dois recursos (correio e web) os pilares da infra-estrutura para pesquisa no ambiente eletrônico.
Os demais serviços da internet são pouco utilizados pelos docentes, exceto a transferência de arquivos (FTP), que é utilizada por 64,9% deles (Tabela 1). Recursos importantes que permitem comunicação em tempo real não são utilizados pela maioria dos docentes. Eles desconhecem – ou conhecem, mas não utilizam – os chats e as teleconferências. Quanto aos grupos e listas de discussão, embora considerados veículos rápidos de comunicação, revelaram-se pouco úteis a essa comunidade, ou seja, quase metade os conhecem, porém não os utilizam.
Estudos em outras comunidades acadêmicas apresentam índices semelhantes, como o de Cobb & Baird (1999) na área de enfermagem, com apenas 2% dos pesquisadores utilizando chats e 3%, os grupos de discussão. No entanto, outros estudos (Appleblee et al, 1997; Liebscher et al, 1997; Selwyn, 2000) apontam para um crescimento no uso de grupos e listas de discussão nas comunidades acadêmicas.
A maioria das atividades de pesquisa foi beneficiada com o uso da internet, (Tabela 2) exceto o processamento e tabulação de dados, como era esperado, que na maioria dos casos são realizados fora da rede.
Destaca-se também, a pouca indicação do item “submissão de originais para publicação”, assinalado por 28,9%. Os acadêmicos apontaram como causas possíveis o fato de haver poucos títulos de periódicos científicos eletrônicos no meio e de não existir gerenciamento eletrônico para os processos de seleção e edição de artigos pela maioria dos periódicos nacionais. No entanto, a emissão de pareceres técnico-científicos foi apontada por 70,7% dos docentes como tendência positiva para a inserção das ecnologias de redes na editoria científica (Tabela 2). Além disso, observa-se pelos dados da Tabela 3 que os docentes consideram que a internet tem trazido muitas facilidades na comunicação entre os autores e os editores científicos (62,7%).
A divulgação dos resultados de pesquisa, nos meios formais, em formatos eletrônicos ainda é inexpressiva. A divulgação em artigos em periódicos somente no formato eletrônico teve baixo índice de escolha, mesmo considerando que a oferta de periódicos exclusivamente eletrônicos é pequena em comparação com os impressos. A produção bibliográfica em saúde pública tende a ser mais divulgada nos meios informais de publicação, como em congressos.
As influências mais positivas da internet recaíram no contato com colegas, inclusive de outros países, influenciando positivamente na condução de pesquisas em colaboração (73,8%), e acompanhamento de projetos de orientandos (76,9) (Tabela 2). Estes achados corroboram com o estudo de Lubanski & Matthew (1998), no qual afirmam que os padrões de trabalho acadêmico têm sido alterados com a internet, principalmente quanto à colaboração no desenvolvimento de pesquisas. Essa é uma tendência quase unânime entre toda a classe acadêmica. Sem dúvida, várias atividades de pesquisa podem se tornar mais ágeis por esse processo. Podem-se trocar minutas e observações de projetos, manuscritos para publicação, tanto pelo correio eletrônico quanto por meio de chats e listas de discussão. Pode-se afirmar que um dos grandes responsáveis pela melhoria na comunicação entre os docentes tem sido o correio eletrônico.
Nesse sentido, Budd & Connaway (1997) em estudo sobre hábitos e atitudes de acadêmicos de universidades dos Estados Unidos, afirmam que os acadêmicos passaram a elaborar pesquisas e publicar mais artigos em colaboração devido à disponibilidade e ao uso da internet. Em conseqüência dessa tecnologia, houve expansão geográfica de suas comunidades e participação interdisciplinar, conforme afirmações em Lubanski & Matthew (1998, p. 9): “(…) coordeno pesquisa com co-autores via correio eletrônico (…) tive publicação conjunta com colegas que jamais vi“.
Dos docentes estudados, apenas 3,6% acreditam que a comunicação com colegas da instituição piorou com a internet, fato que não foi investigado para identificar os fatores que poderiam influenciar essa opinião. A seguir, comentário de um deles: “…acho que a internet trouxe muito isolamento para os pesquisadores (…) discussões orais, ouvir uma palestra são enriquecedores (…) jogar um pouco de ‘prosa fora’; o que não se faz na internet, é muito bom para os processos de reflexão”.
Embora tenham sido poucos os docentes que não utilizavam a internet (5%), quase todos cogitavam a possibilidade de vir a fazê-lo a curto ou a médio prazo. Apenas um docente não considerou a possibilidade de usá-la futuramente. Resultados semelhantes foram apontados por Voorbij (1999), onde os membros das comunidades acadêmicas não usuários de internet, consideravam-se iniciantes nessa tecnologia e viam possibilidade positiva de tornarem-se usuários experientes no decorrer do tempo.
Os motivos que levaram ao não uso da internet pelos docentes estiveram geralmente relacionados à falta de infra-estrutura (16,7%) e de habilidade para esse fim (58,3%), além de questões particulares de aversão à tecnologia (33,3%). Notou-se a falta de motivação para usar a internet quando alguns docentes declararam que conseguem o que precisam da internet com outras pessoas (58,3%), não considerando necessário aprender a usá-la e que conseguem o que precisam sem ter de usar a internet (66,7%). Isso leva a acreditar que outras pessoas o fazem por eles, uma vez que várias das atividades acadêmicas e científicas obrigam o uso da internet, como inclusão de currículos na Plataforma Lattes do CNPq, solicitação de auxílios a agências financiadoras de pesquisa, acesso a bases de dados bibliográficas e textos completos, dentre outras.
Em estudo nacional realizado na Holanda (Voorbij, 1999), verificou-se que a maioria dos membros da comunidade acadêmica considerava-se com experiência no uso da internet, além de não precisar de treinamentos para manter-se atualizados. No entanto, essa comunidade argumentava que, para usar seus recursos, havia grande necessidade de explicações, considerando falsa a afirmação de que seu uso seja amigável. Portanto, pode-se dizer que a não utilização da internet no dia-a-dia dos docentes deva-se principalmente a questões relacionadas a infra-estrutura de rede, de equipamentos e softwares e de apoio técnico oferecidos pelas instituições, conforme observado na Tabela 4.
Apesar dos investimentos das universidades brasileiras em infra-estrutura para a inserção das novas tecnologias de comunicação, o presente estudo destaca que sua comunidade acadêmica não está totalmente satisfeita com os recursos tecnológicos disponíveis para suas atividades. A insuficiência apontada por grande parte da comunidade estudada em relação aos equipamentos, à estrutura de redes, ao apoio técnico e aos treinamentos constitui a principal barreira para o uso efetivo da internet.
Em conclusão, os resultados mostraram que a internet afeta significativamente o ciclo da comunicação científica, não somente na rapidez com que a informação pode ser recuperada, mas também na comunicação entre os pares, tida como a etapa que mais passou por mudanças desde o recente advento da internet no mundo acadêmico brasileiro.
Estudos futuros poderão investigar o impacto da internet no mundo acadêmico-científico com enfoque em estudos longitudinais, que precisam ser baseados em observações permanentes. Esses estudos devem propiciar respostas às necessidades de informação do pesquisador num ambiente tecnológico que passa por muitas e rápidas mudanças, podendo subsidiar o cientista da informação no desafio de determinar como os produtos do ambiente tecnológico podem melhor atender às necessidades de informação da comunidade acadêmico-científica.