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Q89816 | Pedagogia
Banca: UEGVer cursos
Ano: 2018
Órgao: Pref Iporá - Prefeitura Municipal de Iporá

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QUANDO A ESCOLA É DE VIDRO

Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes… Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior. E, assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano. Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito. Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável. Os muito altos de repente se esticavam e as tampas dos vidros saltavam longe, às vezes até batiam no professor. Ele ficava louco da vida e atarraxava a tampa com força, que era pra não sair mais. A gente não escutava direito o que os professores diziam; os professores não entendiam o que a gente falava. As meninas ganhavam uns vidros menores que os meninos. Ninguém queria saber se elas estavam crescendo depressa, se não cabiam nos vidros, se respiravam direito… A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física. Mas aí a gente já estava desesperada, de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros. As meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. E na aula de educação física elas ficavam atrapalhadas, não estavam acostumadas a ficarem livres, não tinham jeito nenhum para educação física. Dizem, nem sei se é verdade, que muitas meninas usavam vidros até em casa. E alguns meninos também. Estes eram os mais tristes de todos. Nunca sabiam inventar brincadeiras, não davam risada à toa, uma tristeza! Se a gente reclamava? Alguns reclamavam. E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto da vida. Uma professora que eu tinha dizia que ela sempre tinha usado vidro, até pra dormir, por isso que ela tinha boa postura. Uma vez um colega meu disse pra professora que existem lugares onde as escolas não usam vidro nenhum e as crianças podem crescer a vontade. Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de comunistas. Ou até coisa pior… Tinha menino que tinha até de sair da escola porque não havia jeito de se acomodar nos vidros. E tinha uns que mesmo quando saíam dos vidros ficavam do mesmo jeitinho, meio encolhidos, como se estivessem tão acostumados que até estranhavam sair dos vidros. Mas, uma vez, veio para minha escola um menino, que parece que era favelado, carente, essas coisas que as pessoas dizem pra não dizer que é pobre. Aí não tinha vidro pra botar esse menino. Então os professores acharam que não fazia mal não, já que ele não pagava a escola mesmo… Então o Firuli, ele se chamava Firuli, começou a assistir às aulas sem estar dentro do vidro. O engraçado é que o Firuli desenhava melhor que qualquer um, o Firuli respondia perguntas mais depressa que os outros, o Firuli era muito mais engraçado… E os professores não gostavam nada disso… Afinal, o Firuli podia ser um mau exemplo pra nós… E nós morríamos de inveja dele, que ficava no bem-bom, de perna esticada, quando queria ele espreguiçava, e até mesmo gozava a cara d gente que vivia preso. Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar no vidro. Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se meter no vidro, como qualquer um. Mas no dia seguinte duas meninas resolveram que não iam entrar no vidro também:- Se o Firuli pode por que é que nós não podemos? Mas Dona Demência não era sopa. Deu um coque em cada uma, e lá se foram elas, cada uma pro seu vidro… Já no outro dia a coisa tinha engrossado. Já tinha oito meninos que não queriam saber de entrar nos vidros. Dona Demência perdeu a paciência e mandou chamar seu Hermenegildo que era o diretor lá da escola. Seu Hermenegildo chegou muito desconfiado:- Aposto que essa rebelião foi fomentada pelo Firuli. É um perigo esse tipo de gente aqui na escola. Um perigo! A gente não sabia o que é que queria dizer fomentada, mas entendeu muito bem que ele estava falando mal do Firuli. E seu Hermenegildo não conversou mais. Começou a pegar os meninos um por um e enfiar à força dentro dos vidros. Mas nós estávamos loucos para sair também, e pra cada um que ele conseguia enfiar dentro do vidro – já tinha dois fora. E todo mundo começou a correr do seu Hermenegildo, que era pra ele não pegar a gente, e na correria começamos a derrubar os vidros. E quebramos um vidro, depois quebramos outro e outro mais. Dona Demência já estava na janela gritando – SOCORRO! VÂNDALOS! BÁRBAROS!(para ela bárbaro era xingação). Chamem o Bombeiro, o Exército da Salvação, a Polícia Feminina… Os professores das outras classes mandaram, cada um, um aluno para ver o que estava acontecendo. E quando os alunos voltaram e contaram a farra que estava na 6ª série todo mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros. Na pressa de sair, começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros começaram a cair e a quebrar. Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo mundo pra casa, que era para pensar num castigo bem grande, para o dia seguinte. Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que ia ficar muito caro comprar aquela vidraria tudo de novo. Então diante disso, Seu Hermenegildo pensou um bocadinho, e começou a contar pra todo mundo que em outros lugares tinha umas escolas que não usavam vidro nem nada, e que dava bem certo, as crianças gostavam muito mais. E que de agora em diante ia ser assim: nada de vidro, cada um podia se esticar um bocadinho, não precisava ficar duro nem nada, e que a escola agora ia se chamar Escola Experimental. Dona Demência que, apesar do nome não era louca nem nada, ainda disse timidamente:- Mas seu Hermenegildo, Escola Experimental não é bem isso… Seu Hermenegildo não se perturbou: – Não tem importância. A gente começa experimentando isso. Depoisa gente experimenta outras coisas… E foi assim que na minha terra começaram a aparecer as Escolas Experimentais. Depois aconteceram muitas coisas, que um dia eu ainda vou contar…

ROCHA, Ruth. O menino que aprendeu a ver. 2 ed. São Paulo: Quinteto Editorial, 1998. Ilustração Elisabeth Teixeira. (Coleção Hora dos Sonhos).
 
[…] Gente de boa memória jamais entenderá aquela escola. Para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentaram em nós, e que nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito como são. Não. Não é preciso que as coisas continuem a ser do jeito como sempre foram. Como são e têm sido as escolas? Que nos diz a memória? A imagem: uma casa, várias salas, crianças separadas em grupos chamados “turmas”. Nas salas os professores ensinam saberes. Toca uma campainha. Terminou o tempo da aula. Os professores saem. Outros entram. Começa uma nova aula. Novos saberes são ensinados. O que é que os professores estão fazendo? Estão cumprindo um “programa”. “Programa” é um cardápio de saberes organizados em sequência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as crianças. Os saberes dos cardápios “programa” não são “respostas” às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças não entendem por que têm de aprender o que lhes está sendo ensinado. Nunca vi uma criança questionar a aprendizagem do falar. Uma criancinha de 8 meses já está doidinha para aprender a falar. Ele vê os grandes falando entre si, falando com elas, sentem que falar é uma coisa divertida e útil, e logo começam a ensaiar a fala, por conta própria. Fazem de conta que estão falando. Balbuciam. Brincam com os sons. E quando conseguem falar a primeira palavra, sentem a alegria dos que a cercam. E vão aprendendo, sem que ninguém lhes diga que elas têm de aprender a falar e sem que o misterioso processo de ensino e aprendizagem da fala esteja submetido a um programa estabelecido por autoridades invisíveis. Elas aprendem a falar porque o falar é parte da vida.

ALVES, Rubem. A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas, SP: Papirus, 2001.
 
A história contada por Ruth Rocha e o excerto de Rubem Alves trazem efetivamente elementos inovadores em termos de organização pedagógica, comunitária e administrativa da/na escola. Entendendo a importância dentro do contexto do mundo contemporâneo em que vivemos, o quanto se faz necessário formar cidadãos com princípios éticos e valores humanistas sólidos, para que no futuro possamos vivenciar uma sociedade mais justa e com oportunidades para todos, discuta como o professor/pedagogo pode contribuir com a construção do Projeto Político-Pedagógico da “Escola Experimental” do seu Hermenegildo.

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