Menos coisas acontecem em “Dor e Glória” charivaris almodovarianos da década de 1980. Antes, eu não conseguia me lembrar direito da história porque havia complicações demais.
Agora, as memórias de Salvador (Antonio Banderas), um cineasta em crise, são repassadas com ternura e lentidão. O absurdo dos incidentes e a demência dos personagens quase desaparecem – e só algumas frases totalmente inesperadas, fazem o espectador repetir as risadas de incerteza e choque que outros filmes de Almodóvar sabiam provocar.
Há uma bela e elegante surpresa final.
Também é pelos 20 minutos finais que o fã de Quentin Tarantino irá se sentir em casa com “Era Uma Vez em Hollywood”.
Saímos do cinema em estado de euforia, graças ao desembestado circo de violências do desfecho, sem ligar mais para o quanto o filme tinha de digressivo e espichado.
Tudo bem. Tarantino nunca foi tão artístico, tão delicado e reflexivo. Uso o termo “reflexivo” de propósito, porque “Era Uma Vez em Hollywood” funciona como um sofisticado jogo de espelhos.
Era tudo uma espécie de cópia. Tarantino, no seu novo filme, dobra a parada, e faz a cópia da cópia. Filma a filmagem de um filme spaghetti.
Outra duplicação está em jogo: Rick não se separa do seu dublê, guarda-costas e faz-tudo Cli Booth (Brad Pitt). São quase idênticos, às vezes.
Um terceiro jogo de espelhos responde pela tensão, sempre moderada, que acompanha o filme. O longa se passa em 1969, ano em que a atriz Sharon Tate foi assassinada por um bando de fanáticos meio hippies, liderados por Charles Manson.
Mas também aqui os personagens, os hippies e as vítimas se duplicam. Volto ao filme de Almodóvar. O personagem de Antonio Banderas está sem saber se vai fazer um novo filme ou não. Encontra um amigo, com quem rompera há 30 anos.
No caso deles, isso não se confunde com maestria, com o pleno domínio dos próprios recursos: há muito tempo eles são mestres.
Não estamos diante de tais altitudes. Almodóvar e Tarantino têm muito caminho pela frente. Mas, no rumo da descida, inclinam um pouco o corpo – e encontram seu reflexo, nas águas de uma piscina em Hollywood, quem sabe, ou na margem de um rio de lavadeiras, debaixo do sol da Espanha.
(Marcelo Coelho. Disponível em: https: /www1.folha.uol.com.br/
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