Texto I
Vasco Leitão da Cunha
Durante oito anos não houve concurso, de maneira que eu via as pessoas serem nomeadas e fiquei achando que não teria ocasião de entrar para o Itamaraty, porque não me considerava suficientemente apadrinhado. Torcia pela abertura do concurso, achava que era a maneira séria e correta de entrar. Foi o Mangabeira quem reabriu os concursos, que passaram a se realizar todo mês de junho, durante quatro anos. Minha banca, em 1927, foi presidida […]. Éramos 20 e só dois fomos aprovados […]. Comecei no Itamaraty como terceiro-oficial da Secretaria de Estado, ganhando 50 mil réis. No escritório do meu avô eu ganhava o dobro, um conto de réis. […]
A diplomacia estava à espreita, estava me esperando, acho que desde sempre. […]
Diplomacia em alto-mar: depoimento ao CPDOC. 2.a ed. Rio de Janeiro: Editora FGVi Brasília: FUNAG, 2003. p. 9-10.
Texto II
Fernando de Azevedo
[…] só muito recentemente, a partir de João Ribeiro e Capistrano de Abreu, começaram os nossos estudos históricos a ser penetrados de espírito científico e a apresentar, em conseqüência, mais rigor na interpretação dos fatos.
Mas dever-se-ia concluir daí, de todas as dificuldades inerentes a trabalhos dessa ordem, que seria inútil ou infecunda uma tentativa de síntese da cultura brasileira? Parece-nos que não. Antes de tudo, uma visão de conjunto, por imperfeita que fosse, teria a vantagem de grupar numa exposição metódica finas indicações e observações seguras que, dispersas por um grande número de estudos monográficos, perdem assim muito de sua força explicativa e ficam necessariamente incompletas. Por mais difícil que seja, é possível, não só pela utilização dos materiais conhecidos, mas, com as impressões recolhidas da reflexão sobre os fatos, traçar o quadro provisório da cultura no Brasil, sem dela fazer uma caricatura, tão de gosto dos pessimistas que não situam o esforço brasileiro no seu clima social e histórico, nem apresentar um retrato lisonjeiro, que podia ser agradável à vaidade nacional, mas não serviria para nos abrir os olhos sobre a realidade e conduzir-nos o esforço empreendido pela libertação do espírito. Assim uma tal obra seria desde logo uma “tomada de consciência” de nós mesmos, desde que seriamente pensada, construída e documentada […]
A cultura brasileira. 4.a ed. Brasília: EdUnB, 1963. p. 48-9.
Texto III
Machado de Assis
A persistência do benefício na memória de quem o exerce explica-se pela natureza mesma do benefício e seus efeitos. Primeiramente, há o sentimento de uma boa ação, e dedutivamente a consciência de que somos capazes de boas ações; em segundo lugar, recebe-se uma convicção de superioridade sobre outra criatura, superioridade no estado e nos meios; e esta é uma das coisas mais legitimamente agradáveis, segundo as melhores opiniões, ao organismo humano. Erasmo, que no seu Elogio da Sandice escreveu algumas coisas boas, chamou a atenção para a complacência com que dois burros se coçam um ao outro. Estou longe de rejeitar essa observação de Erasmo; mas direi o que ele não disse, a saber, que se um dos burros coçar melhor o outro, esse há de ter nos olhos algum indício especial de satisfação.
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Ediouro. p. 30.