O chamado “princípio da insignificância” só em circunstâncias extremas deixa de ser uma “insignificância de princípio”. Por via de regra, pretende-se, com este divertimento teorético, supostamente magnânimo e “moderno” (para certos esnobes, tudo o que não coincide com suas fantasias laxistas pertence à Idade da Pedra; eles, e mais ninguém, representam a modernidade, a amplitude de visão, a largueza de espírito, a nobreza de coração; eles definitivamente têm uma autoestima hipertrofiada), pretende-se com o “princípio da insignificância” estatuir uma carta de indenidade para o ladrão moderado, pouco ambicioso: ele pode furtar quantas vezes quiser, ainda que muito se ressintam do desfalque patrimonial os sujeitos passivos; não haverá consequências penalmente relevantes, se furtar comedidamente. Isso, em última análise, estabelece como proposição incontrastável que o preceito moral subjacente à norma “não furtarás”! é relativo ao valor da coisa subtraída. Segue-se, como corolário irrecusável, que nem sempre será imoral subtrair coisa alheia móvel. Portanto, não mais caberá admoestar os nossos filhos, quando deitarem a mão sobre o brinquedo (pouco valioso) do amigo. Pois se não é imoral! Nem se admitirá que os mestres recriminem o aluno que subtrair o lápis do colega. Pois se não é imoral! Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação! De mais a mais, a velha tesoura de que se vê despojada uma pobre costureira será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição representará um dispêndio imprevisto e doloroso para o bolso vazio da vítima; o velho alicate subtraído a um pobre borracheiro de periferia será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição…; a verruma, o martelo, o serrote do pobre carpinteiro serão, talvez, objetos de pequeno valor, de modo que o gatuno, na óptica do moderno direito penal, nenhuma reprovação merecerá, conquanto a reposição das ferramentas importe num gasto que a vítima proverá a duras penas; assim, também, o tênis surrado do “office-boy”. Portanto, a regra de ouro dos que professam a “Teoria da Insignificância” é: furtar tudo de todos quantos tenham pouco, perdendo de vista que coisa insignificante para o ladrão pode ser muito significativa para a vítima. Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem Ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas. Sim, porque quem mais além dos miseráveis possui coisas insignificantes? Essa arenga niilista do Direito Penal mínimo não raro conduz ao Amoralismo máximo.
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, Apelação nº 1349605-1, 3ª Vara Criminal, Relator Corrêa de Moraes, 23/10/2003.
Tomando-se a posição atual do Supremo Tribunal Federal em relação ao princípio da insignificância penal, discorra, justificadamente, sobre os quatro pressupostos gerais para sua aplicação (2,0 pontos), a sua fundamentação na teoria do delito (2,0 pontos) e a sua aplicabilidade em hipóteses de reincidência (2,0 pontos), habitualidade delitiva (2,0 pontos) e furto qualificado (2,0 pontos).