PARTE I — REDAÇÃO
Texto I
[…] Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro… […] Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; — e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. […]
Machado de Assis. O Espelho. In: Papéis Avulsos. Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2000, p. 164.
Texto II
[…] É bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si próprio mais pela percepção de estranheza que provoca no lusitano, do que por sua identificação como membro das comunidades socioculturais novas, porventura também porque desejoso de remarcar sua diferença e superioridade frente aos indígenas. […]
O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio mestiço na carne e no espírito, que, não podendo identificar-se com os que foram seus ancestrais americanos — que ele desprezava —, nem com os europeus — que o desprezavam —, e sendo objeto de mofa dos reinóis e dos luso-nativos, via-se condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro.
Através dessas oposições e de um persistente esforço de elaboração de sua própria imagem e consciência como correspondentes a uma entidade étnico-cultural nova, é que surge, pouco a pouco, e ganha corpo a brasilianidade. […]
Darcy Ribeiro. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 127-128.
Texto III
[…] Quando se fez a propaganda republicana, julgou-se, é certo, introduzir, com o novo regime, um sistema mais acorde com as supostas aspirações da nacionalidade: o país ia viver finalmente por si, sem precisar exibir, só na América, formas políticas caprichosas e antiquadas; na realidade, porém, foi ainda um incitamento negador o que animou os propagandistas: o Brasil devia entrar em novo rumo, porque “se envergonhava” de si mesmo, de sua realidade biológica. Aqueles que pugnaram por uma vida nova representavam, talvez, ainda mais do que seus antecessores, a idéia de que o país não pode crescer pelas suas próprias forças naturais: deve formar-se de fora para dentro, deve merecer a aprovação dos outros. […]
Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1984. 18.ª ed., p. 125.
Elabore dissertação com base na analogia entre as idéias expostas nos textos I, II e III.