Leia o texto a seguir.
Vozes e silenciamentos em Mariana: crime ou desastre ambiental? A mídia internacional na cobertura da tragédia
Rompimento da barragem foi notícia, em menos de 48 horas, em mais de mil reportagens publicadas em veículos de todas as partes do mundo
Luana Campos
O rompimento da barragem da Samarco figura entre os cinco piores escândalos empresariais de 2015. A lista divulgada pelo jornal britânico The Guardian em dezembro de 2015 mostra sinais de como a imagem do desastre foi (re)construída no imaginário internacional. Em menos de 48 horas, o vazamento da barragem de Mariana era notícia em mais de mil reportagens publicadas em veículos de todas as partes do planeta, segundo o jornalista do site UOL, Daniel Buarque.
No site do diário francês Le Monde, a reportagem sobre Mariana era a quarta mais compartilhada, de acordo com notícia publicada no jornal O Globo. Nesse processo de dispersão da informação, é inegável a relevância das agências de notícias internacionais, já que, por diversas questões, em especial por impossibilidades financeiras, nem todos os veículos têm a possibilidade de enviar seus próprios repórteres ao local.
No artigo “A construção da imagem do Brasil no exterior: Um estudo sobre as rotinas profissionais dos correspondentes internacionais”, o professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Antônio Brasil, aponta que estes profissionais tendem a um olhar ampliado para os acontecimentos aos quais já nos acostumamos. É a partir desta observação que as imagens transformam-se em estereótipos no exterior – o Brasil com Z – e acabam por criar um processo de autorreferencialidade que se confunde com a própria identidade nacional.
A pauta é a economia mundial
Na busca por quem seria o responsável pelo desastre, o foco das notícias pousou principalmente sobre a BHP Billinton, que tomou a forma humana de seu porta voz, Andrew Mackenzie, CEO da empresa. A rápida resposta da BHP, que realizou uma coletiva de imprensa em Melbourne (AUT) um dia após o rompimento, garantiu sua imagem de empresa que assume seus atos, enquanto o retalhamento de informações da Samarco, de acordo com Eleonora Gosman, do argentino Clarín, só fez crescer a angústia daqueles que só tiveram 25 minutos para salvar suas vidas.
Em uma reportagem publicada no dia 6 de novembro, os repórteres John Lyons e Paul Kiernan, do The Wall Street Journal, relatam que a Samarco não permitiu que os jornalistas entrevistassem funcionários para informações adicionais. Autoridades como bombeiros também impediram que a imprensa chegasse a Bento Rodrigues, engolido pela lama. Isso pode justificar o uso massivo e a pouca variação de imagens aéreas – a maioria fornecida pela Rede Globo – das quais os correspondentes internacionais valeram-se para descrever o cenário aterrador.
Em relação à Vale, a percepção que fica é de omissão, uma vez que ela redirecionou as questões dos jornalistas para a Samarco, mostrando inabilidade das empresas diante de situações
de crise.
Perdas materiais e imateriais
O perfil histórico de Bento Rodrigues chegou a ser mencionado em algumas reportagens dos veículos internacionais, mostrando as perdas culturais para a população. A perda não foi só material, de casas, pertences pessoais e meios de subsistências, mas de identidade e modos de vida. A preocupação com as vítimas, os sobreviventes e buscas pelos desaparecidos foi o elemento que povoou a maior parte das publicações. Os jornalistas questionaram os números divulgados por órgãos oficiais, contrapondo ao que era divulgado pela imprensa local e mesmo com o que os sobreviventes relatavam. Números que, aliás, eram bem divergentes.
Poucas foram, no entanto, as reportagens que se aprofundaram no que aconteceu, de fato com os sobreviventes. Muitas apenas citavam que essas pessoas haviam sido encaminhadas para um ginásio poliesportivo em Mariana. Mas é justamente nas falas destes personagens que fica evidente a ausência de um sistema de alerta avisando sobre a catástrofe iminente. A sirene só viria a ser instalada dois dias depois.
Olhar ampliado
Pouco se falou sobre os prejuízos ao meio ambiente nesse período inicial, após a tragédia. O que mais se aproximou da discussão foi o medo de contaminação da água pela lama que a cobertura internacional caracterizou como tóxica, mesmo após declarações da Samarco afirmando que não. A cobertura mais detalhada, publicada pelo The Wall Street Journal, chegou a explicar que, mesmo não sendo a mais grave em termos de toxicidade, essa lama poderia ser pior na medida da demora de sua drenagem.
Pode-se reconhecer que mesmo de forma pouco clara no início, a imprensa internacional questionou os antecedentes de um desastre que não aconteceu devido a uma fatalidade. Nesse sentido, a diferença nos termos adotados pela imprensa internacional foi um dos aspectos que chamou a atenção. O uso do termo ‘explosão’ (burst) remeteria à leitura de que algo foi sendo acumulado até o momento em que o sistema ficou sobrecarregado e entrou em colapso.
Já o verbo romper, usado pela imprensa nacional, levaria muito mais à ideia de um acidente que pudesse ter acontecido por uma fatalidade. O que as matérias contestam mesmo sob as alegações iniciais de que tremores de terra teriam acontecido poucas horas antes. Em entrevista à rede ABC News, o gestor de fundos Roger Montgomery analisa este como um dos grandes riscos que qualquer empresa deve considerar ao aprovar um empreendimento desta natureza, e que isso deveria estar sempre em mente.
Ao trazer à tona a culpabilidade não apenas da Samarco, mas também da Vale e da BHP, as empresas acionistas majoritárias, que são as maiores do setor de mineração do planeta, os veículos internacionais chamaram a atenção em suas coberturas jornalísticas da tragédia ambiental para que as três empresas se responsabilizem de fato pelo enorme prejuízo que causaram não só pelo rompimento da barragem, mas por anos de exploração que não visava outra coisa além do próprio lucro em detrimento da segurança.
CAMPOS, Luana. Vozes e silenciamentos em Mariana: crime ou desastre ambiental?A mídia internacional na cobertura da tragédia.
Jornal da Unicamp. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/12/19/midia-internacional-na-cobertura-da-tragedia>.
Acesso em: 18 dez. 2023. [Adaptado].
A partir da leitura do texto acerca da cobertura da mídia sobre o desastre do rompimento da barragem em Mariana, ocorrido em 2015, em Minas Gerais, discorra sobre os mecanismos da mídia para a formação da opinião pública, levando em conta a padronização da informação, a criação de estereótipos e a institucionalização da notícia, bem como a importância da pluralização de vozes trazida pelas mídias sociais. Explique este fenômeno social relevante com base no texto, forneça os elementos jornalísticos de abordagem do assunto com as teorias existentes da cobertura jornalística do caso desastre ambiental. Enfatize de que forma o jornalista pode confrontar a problemática das fontes oficiais que mascaram o desastre (identificação do problema). Proponha também ações práticas para resolver a participação da opinião pública e a pluralização de vozes no contexto da criticidade da notícia jornalística.
CONTEÚDO EXCLUSIVO
Confira nossos planos especiais de assinatura e desbloqueie agora!
Ops! Esta questão ainda não tem resolução em texto.
Ops! Esta questão ainda não tem resolução em vídeo.



