Quando enfrentamos um poema escrito segundo a versificação tradicional, devidamente metrificado e rimado, a análise tende a se apoiar nas características aparentes, que definem a fisionomia poética. Metro, rima, ritmo, cesura atraem logo a atenção e, servindo para trabalhar o texto em certo nível, podem induzir o analista a não ir mais longe, e a não tirar deles o que podem realmente “significar”.
Mas quando se trata de um poema não convencional, isto é, sem métrica nem rima, sem pausa obrigatória nem lei de gênero, a camada “aparente” parece não existir, ou não ter importância, e nós somos jogados diretamente para o nível do significado. No entanto, seria erro supor que um poema desses não tenha organização. Mesmo que os recursos convencionais de formalização sejam descartados, os códigos continuam a existir.
Seja um poema de Murilo Mendes, poeta que às vezes perturba o analista, porque não oferece uma superfície fácil para o levantamento dos recursos usados:
O pastor pianista
Soltaram os pianos na planície deserta
Onde as sombras dos pássaros vêm beber.
Eu sou o pastor pianista,
Vejo ao longe com alegria meus pianos
Recortarem os vultos monumentais
Contra a lua.
Acompanhado pelas rosas migradoras
Apascento os pianos que gritam
E transmitem o antigo clamor do homem
Que reclamando a contemplação,
Sonha e provoca a harmonia,
Trabalha mesmo à força,
E pelo vento nas folhagens,
Pelos planetas, pelo andar das mulheres,
Pelo amor e seus contrastes,
Comunica-se com os deuses.
Analisar este poema é essencialmente tentar a caracterização da sua linguagem, a partir do problema das tensões, muito vivo aqui a começar pela ambiguidade do seu título. Além disso, é notório o efeito de surpresa, que desde muito é visto como um dos fatores de constituição da linguagem poética. Com efeito, “O pastor pianista” é uma pastoral fantástica, na qual os elementos habituais foram trocados: o prado pode ser um deserto, onde provavelmente não existe água, pois quem bebe são sombras; e onde não faz mal que assim seja, porque o rebanho não é de ovelhas, mas de pianos, que irrompem no verso de abertura com um movimento insólito e perturbador.
(Adaptado de: Candido, Antonio. Na sala de aula. São Paulo: Ática, 2002)
a. Nos dois primeiros parágrafos, o crítico literário Antonio Candido contrapõe duas categorias de poemas. Em qual dessas categorias o poema de Murilo Mendes se enquadra? Justifique sua resposta.
b. No entanto, seria erro supor que um poema desses não tenha organização. Mesmo que os recursos convencionais de formalização sejam descartados, os códigos continuam a existir. (2º
parágrafo).
No trecho acima, Antonio Candido recorre a duas locuções conjuntivas. Reescreva o trecho, substituindo essas duas locuções conjuntivas por conjunções de sentido equivalente.
c. No início do 4º parágrafo, Antonio Candido alude à ambiguidade do título do poema de Murilo Mendes. Em que consiste essa ambiguidade?
d. A oração os elementos habituais foram trocados (4º parágrafo) está estruturada na voz passiva analítica. Reescreva-a na voz passiva sintética.
e. Ainda no 4º parágrafo, Antonio Candido caracteriza o poema de Murilo Mendes como uma “pastoral fantástica”. Tal caracterização alude tanto a uma escola literária anterior ao Modernismo brasileiro quanto a uma vanguarda europeia do início do século XX que o influenciou. Identifique essa escola literária e essa vanguarda europeia. Justifique cada uma das respostas.
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