[…] Salu estava amargurada pela disputa pela terra que havia tirado a vida de Severo. Pelas ameaças e proibições que tinham a intenção de fazê-los deixar a fazenda. Aquela visita era parte da tormenta que sofriam havia tempos, para constrangê-los, até não sobrar mais nada. Se pôs com autoridade diante dos dois para dizer o que a estava sufocando fazia muito tempo. “Olha, dona”, interrompeu Salu antes que a mulher continuasse a sua pregação, “eu não tenho muita letra nem estudo, mas quero que a senhora entenda uma coisa. Eu não sou a única a morar nesta terra. Muitos desses moradores que vocês querem mandar embora chegaram muito antes de vocês. Vocês não eram nem nascidos.
[…] Não sei se a senhora sabe, mas eu peguei em minhas mãos a maioria desses meninos, homens e mulheres que a senhora vê por aí. Sou mãe de pegação deles. Assim como apanhei cada um com minhas mãos, eu pari esta terra. Deixa ver se a senhora entendeu: esta terra mora em mim”, bateu com força em seu peito, “brotou em mim e enraizou”. “Aqui”, bateu novamente no peito, “é a morada da terra. Mora aqui em meu peito porque dela se fez minha vida, com meu povo todinho. No meu peito mora Água Negra, não no documento da fazenda da senhora e do seu marido. Vocês podem até me arrancar dela como uma erva ruim, mas nunca irão arrancar a terra de mim”.
(VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 229-230)
1 – A partir do excerto acima — em que se narra uma disputa territorial fundada na tensão entre o direito oficial, mais precisamente o direito de propriedade, reivindicado pelos novos proprietários de um imóvel rural com base no direito positivo (registro imobiliário), e o direito inoficial, reivindicado na forma do direito à terra pela personagem Salu — denomine, caracterize e fundamente, à luz da teoria crítica do direito, referida juridicidade não estatal (direito inoficial) que exsurge do contexto em questão.
2 – Tendo em vista a força simbólica da personagem Salu, mulher negra descendente de escravos, parteira e trabalhadora rural no sertão baiano, explique de forma contextualizada o feminismo afro-latino-americano de acordo com a obra de Lélia Gonzalez.
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